A história da conquista do Everest - 1924
A
expedição de 1924 ainda não tinha roupas adequadas, especialmente de
baixo. A cada alpinista foi entregue um kit de vestimentas no valor de
100 dólares. Edward Norton era o mais bem equipado. Gabava-se de usar
macacão corta-vento, uma jaqueta de couro e um capacete de motociclista.
Mas
lá estavam eles, de novo: os veteraníssimos George Mallory e John Noel,
os veteranos Edward Norton, Howard Somervell e Geoffrey Bruce, e os
novatos Andrew Irvine, Noel Odell, E. O. Shebbeare e mais dois
alpinistas.
Saíram de Darjeeling dia 25 de março. Duas semanas
mais tarde o general Bruce pegou malária, sendo obrigado a voltar.
Edward Felix Norton, com 39 anos, assumiu o comando, secundado por
George Mallory. Alcançaram o Acampamento-base, na geleira Rongbuc, dia
28 de abril.
Mas as monções chegaram prematuramente, e violenta
tormenta atacou-os, ainda no início da expedição, danificando parte do
equipamento de oxigênio e matando dois carregadores. Foram obrigados a
voltar para se abrigarem no mosteiro Rongbuc, perto de Tingri, onde receberam a bênção do lama, o que eles, imprudentemente, não haviam
feito quando passaram pelo local em direção ao Acampamento-base.
Embora os céticos britânicos não fossem adeptos do budismo, o tempo melhorou, e eles puderam retornar ao Everest.
O
acampamento VI foi estabelecido a 8.170 metros, tendo Edward Norton e
Howard Somervell dormido no local. Eles iniciaram o ataque no dia
seguinte, muito cedo, mas Howard Somervell foi vencido por um sério
ataque de tosse. Sua garganta inchada congelou, quase sufocado-o. Edward
Norton seguiu sozinho montanha acima, vencendo, passo a passo, a
encosta coberta de neve, até chegar aos 8.572 metros – meros 278 metros
abaixo do cume –, estabelecendo um novo recorde de escalada sem oxigênio
artificial, uma marca fantástica para a época, só superada em 1978,
quando o austríaco Peter Habeler e o italiano Reinhold Messner se
tornaram os primeiros homens a chegar ao cume do Everest sem a
utilização de oxigênio artificial. Aliás, os alpinistas mais exigentes
consideram como sendo esta a verdadeira conquista do Everest.
Mas
em 1924, se Edward Norton tivesse oxigênio, provavelmente teria
alcançado o cume. A volta dos dois para o acampamento foi dramática.
Chegaram já de noite. E graças ao auxílio de Mallory e Odell, que os
resgataram no meio do caminho.
Naquela noite, com Edward Norton
exausto e sofrendo de nifablepsia, uma cegueira temporária provocada
pela reflexão da neve, e Howard Somervell fora de ação, George Mallory
escolheu o jovem e inexperiente Andrew Irvine para acompanhá-lo na
tentativa do próximo dia, embora Norton o tivesse aconselhado a levar o
geólogo Noel Odell, mais experiente, bem aclimatado e em melhores
condições físicas.
Mas Mallory preferiu Irvine porque o jovem
estudante de engenharia possuía grande habilidade em manusear o
equipamento de oxigênio.
Os sherpas acompanharam George Mallory e Andrew Irvine até o
acampamento VI, onde desistiram de prosseguir, tais as condições
adversas do clima. Após um breve descanso, regressaram para informar
que, apesar de o fogareiro ter despencado montanha abaixo, tudo estava
bem, os dois europeus prosseguiriam, a partir daquele ponto, utilizando
oxigênio artificial.
Na manhã seguinte, 8 de junho de 1924, o
tempo estava terrível, obrigando George Mallory e Andrew Irvine a
deixarem o acampamento muito tarde. Enquanto esperavam para ver se as
condições melhoravam, perderam estimáveis minutos, erro que
provavelmente tirou-lhes a vida.
George Mallory estava com 38
anos. Filho da alta burguesia, professor, casado e pai de três filhos,
era considerado o melhor alpinista britânico da sua época. Dotado de
refinada cultura e alto idealismo, possuía também uma apurada
sensibilidade romântica. Nos acampamentos no Everest, costumava ler
Shakespeare para seus colegas de barraca.
Naquela gelada manhã de
1924, enquanto George Mallory e Andrew Irvine subiam, com extrema
dificuldade, em direção ao topo do mundo, Noel Odell escalava do
acampamento V ao acampamento VI para estudar a geologia das rochas ao
longo do caminho. Às 12h50min, em uma das suas paradas, as nuvens
abriram uma brecha no céu e ele pode ver a silhueta dos dois
companheiros subindo. Inicialmente julgou estarem atravessando o segundo
escalão antes do cume, mas mais tarde ficou em dúvida quanto a ser
realmente este o lugar em que vira Mallory e Irvine. O certo é que eles
estavam cinco horas atrasados, já que pretendiam chegar ao segundo
escalão antes das oito da manhã.
– Mas estavam movendo-se com deliberação e diligência – contou Noel Odell mais tarde.
Uma
forte tormenta de neve formou-se na parte superior do Everest e, quando
clareou, duas horas mais tarde, deixando visível a crista noroeste, não
existia mais sinal dos alpinistas. Noel Odell, na esperança de que os
companheiros estivessem voltando, subiu mais 15 metros além do
acampamento VI, de onde gritou por eles. Mas não obteve resposta. Após
permanecer um longo tempo esperando pelos amigos, o mau tempo o obrigou a
voltar para o acampamento.
Duas horas depois o tempo abriu
novamente, possibilitando a Odell olhar detalhadamente tanto para a
crista do cume quanto para o muro de rocha. Mas não conseguiu ver
ninguém.
Seguindo orientação prévia do próprio Mallory, Odell
desceu até o acampamento IV, no Colo Norte, deixando livre as barracas
dos acampamentos V e VI, para serem ocupadas por Mallory e Irvine,
quando voltassem.
A noite estava clara, e uma luneta foi apontada
para o cume, perscrutando cada metro do seu topo gelado. No final da
manhã seguinte Odell e dois sherpas subiram para o acampamento V, onde
pernoitaram. Com a ajuda de oxigênio artificial, Odell seguiu sozinho
até o acampamento VI, na esperança de encontrar George Mallory e Andrew
Irvine.
No entanto, os dois nunca mais foram vistos.
Teriam atingido o cume antes de morrer? Seriam George Mallory e Andrew
Irvine os primeiros a terem escalado o ponto mais alto do planeta? Eles
haviam morrido na subida ou na descida? Na verdade o desaparecimento
dera origem a um sem-fim de conjecturas sobre se teriam ou não sido os
primeiros a chegar ao cume do Terceiro Pólo.
Montanhistas de
expedições subsequentes, ao observarem do local onde Noel Odell avistou
Mallory e Irvine pela última vez, concluíram que a descrição se
enquadrava melhor ao terceiro – e último – escalão do que ao segundo.
Ainda hoje alpinistas são facilmente vistos quando atingem este ponto.
Se realmente esta foi a situação, Mallory e Irvine possivelmente
chegaram ao cume.
Até sua morte, Noel Odell não tinha certeza sobre em qual escalão os vira, embora acreditasse terem eles atingido o cume.
Em
1980, durante uma expedição japonesa, um dos carregadores, o chinês
Wang Hong Bao, procurou o chefe da equipe para informar que cinco anos
antes, enquanto participava de uma tentativa chinesa, havia encontrado,
perto de onde estavam, o cadáver de um alpinista britânico com roupas
muito antigas, sentado em um terraço nevado a 8.100 metros. Se o dado
estivesse correto, certamente seria o corpo de Mallory ou Irvine. E,
como eles haviam recebido de Edward Norton uma máquina fotográfica,
finalmente se poderia ficar sabendo se haviam ou não chegados ao cume.
Mas
o mistério continuou, porque no dia seguinte Wang Hong Bao desapareceu
sob uma gigantesca avalanche que desabou sobre seu acampamento.
Em
1999, uma expedição americana liderada pelo experiente alpinista Eric
Simonson partiu para o Everest com o propósito específico de encontrar
Mallory e Irvine. Partindo do local onde Wang Hong Boa dissera haver
visto o cadáver de "um velho inglês", eles vasculharam cada palmo da
área. No dia 01 de maio o alpinista Conrad Anker encontrou, no lado
norte, a 8.200 metros de altitude, o corpo que procuravam.
Segundo
Dave Hahn, outro membro da equipe, a roupa de Mallory tinha
praticamente sumido, assim como boa parte do seu corpo, e a pele estava
totalmente branca, parecendo uma estátua de mármore.
– Os outros
apontaram na hora para a bota de pregos ainda conservada no seu pé e
para a fratura na tíbia e fíbula logo acima. Vi a corda ao redor do
corpo, traçada e branca, mais um artefato de decoração do que uma
ferramenta vital para sobreviver no mundo vertical – contou Dave Hahn.
George
Mallory caíra das rochas e escorregara um pouco mais para baixo pelas
rampas de gelo, mas sobrevivera, pois não havia esmagamento nos ossos.
Ele fora caindo com os braços esticados, mãos espalmadas e então se
posicionara para morrer, cruzando uma perna sobre a outra para um alívio
final, o que deve ter acontecido logo a seguir devido às suas precárias
roupas para a temperatura do final da tarde.
A cabeça e os
braços do alpinista, deitado de bruços e de cabeça para cima, estavam
tão congelados que haviam se colado junto ao corpo e à rocha com o
passar dos anos. Ele não tinha machado de gelo, nem oxigênio.
Provavelmente usara tudo durante a subida e jogara fora as garrafas
vazias. Mas alguns objetos marcantes estavam por perto, a começar por um
altímetro de 9.000 metros (aparentemente quebrado na queda), uma carta
de sua esposa, guardada no peito, perto do coração, e um cachecol
perfeitamente conservado. Os óculos de proteção solar, em um dos bolsos,
indicavam ter o acidente ocorrido no final da tarde, quando não havia
mais luz.
Mas a única coisa que poderia provar se Mallory
atingira o topo antes de morrer, a máquina fotográfica, não foi
encontrada. Os alpinistas ficaram com a impressão de que "o velho
inglês" havia conseguido, mas era impossível provar sem a câmera.
Mesmo com o aparecimento do corpo, o maior mistério do alpinismo continua: Mallory morrera antes ou depois de chegar ao cume?